sexta-feira, 29 de maio de 2009

A POLÍTICA DE COTAS

POR MIRIAM LEITÃO
Teses e truques
Míriam Leitão

Em vez de discutir cota, é melhor investir na educação. Não se deve adotar um
sistema que separa por raça, pois isso criará racismo. Não se pode ferir o
princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei. Nunca pode ser
revogado o princípio do mérito acadêmico. Os argumentos se repetem e parecem
ótimos. Escondem a mesma resistência ao tema racial que temos mantido desde a
abolição e as conclusões estão truncadas.
Nunca, os que defendem cotas raciais na universidade propuseram a escolha
entre cotas e qualidade da educação. Não há essa dicotomia. É uma falsidade
para truncar o debate. É fundamental melhorar a educação em todos os níveis.
As cotas raciais não revogam essa idéia.

O princípio da igualdade perante a lei é a pedra que sustenta as sociedades
democráticas e modernas. As ações afirmativas não vão revogá-lo. A igualdade
perante a lei sempre conviveu com o tratamento diferente aos desiguais. Na
área tributária, a regressividade, por exemplo: a alíquota para os mais ricos
é maior. As transferências de renda são para quem tem renda abaixo das linhas
de pobreza e miséria. Mulheres estão sub-representadas na política e, para
tentar vencer isso, há a cota de 30% nas candidaturas. No comércio
internacional, existe o princípio do tratamento diferenciado para os países
mais pobres. Há muito tempo, o Direito convive com os dois princípios, como
complemento um do outro. Um garante o outro. Tratar da mesma forma os
desiguais acentua a desigualdade. O princípio da igualdade perante a lei é
apresentado na discussão como um truque. Não há conflito entre ele e o outro
princípio civilizatório do tratamento diferenciado aos desiguais. Quem quer
defender o princípio da igualdade perante a lei deveria fazer um manifesto
contra, por exemplo, a aberração de prisão especial para criminosos com curso
superior.

O mérito acadêmico tem que ser preservado na formação universitária. Ele não
está sob ameaça com medidas para aumentar o ingresso de negros na
universidade. As avaliações de desempenho de diversas universidades mostram
que não há esse risco. Os adversários das cotas rejeitam as avaliações dizendo
que ainda não foi feito um estudo consistente. O mesmo argumento invalida seus
próprios argumentos de que a qualidade da universidade estará em risco com as
cotas. A universidade americana, que nunca abriu mão do mérito acadêmico, dá
pontuação diferenciada por razões raciais, sociais e até aos esportistas no
ingresso nas escolas.

Não podem ser adotadas políticas que incentivem o racismo. Quem discordaria
disso? Esse argumento usado contra as cotas é um dos mais perversos truques.
As políticas de ação afirmativa não vão criar o racismo. Não se cria o que já
existe. O Brasil tem um fosso enorme, resistente, entre brancos e negros e é
esse fosso que se pretende vencer. Sem o incentivo à mobilidade, o Brasil
carregará para sempre as marcas da escravidão. Ela tem se eternizado por falta
de debate e de políticas dedicadas a superar o problema.

Empresas internacionais adotam há tempos metas para aumentar a diversidade de
seus funcionários, executivos e gerentes. É um objetivo desejável no mundo
multiétnico e que se quer menos racista e menos injusto. Órgãos públicos
americanos usam nas suas contratações mecanismos para aumentar a
representatividade das várias partes da sociedade. Governos diversos usam
incentivos para determinadas políticas como parte dos seus critérios de
seleção de fornecedores nas compras governamentais. Nada há de errado e novo
nessas políticas. O que há é que, pela primeira vez, fala-se em usar esses
mecanismos para promover a ascensão dos negros no Brasil. O país tem um horror
atávico a discutir o tema. Já se escondeu atrás de inúmeros sofismas.

Acreditava estar numa bolha não racial, um país diferente, justo por natureza.
Não existe raça. É fato. Biológica e geneticamente não existe, como ficou
provado em estudos recentes. Isso é mais um argumento a favor das políticas
anti-racistas e não o contrário. Os avanços acadêmicos na área só servem para
mostrar que os negros são mais pobres, têm piores empregos, ganham menos, não
por qualquer incapacidade congênita, mas por falha da sociedade em construir
oportunidades iguais. Isso se corrige com políticas públicas, iniciativas
privadas, para desmontar as barreiras artificiais ao acesso dos negros à elite.
O debate é livre e benéfico. O problema não é o debate, mas alguns dos
argumentos. E pior: os truques. Acusar de promover o racismo o primeiro
esforço anti-racista após 118 anos do fim da escravidão é uma distorção
inaceitável.

Quem gosta do Brasil assim deve ter a coragem de dizer isso. Quem não acha
estranho, nem desconfortável, entrar nos restaurantes e só ver brancos, ver na
direção das empresas apenas brancos, conviver com uma elite tão monocromática,
tudo bem. Deve simplesmente dizer que prefere conservar o Brasil como ele é,
com os brancos e negros mantidos assim: nesta imensa distância social.
PT sempre 13!
Trabalho,Terra e Liberdade

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