domingo, 5 de abril de 2009

Relembrando a ditadura -A Globo e a sua formação politica ao povo dando cacete no Brizola

No dia 3 de abril de 1964, o jornal “O Globo” estampou, em sua primeira página, matérias apoiando a Marcha com Deus e a Família pela Liberdade, manifestação de setores conservadores da classe média carioca, que foram às ruas, no dia anterior, apoiar o golpe de estado contra o presidente João Goulart. Passeatas semelhantes haviam ocorrido em São Paulo (em 13 de março do mesmo ano) e em outras capitais. Tudo fazia parte de uma grande campanha, apoiada por políticos de oposição, empresários conservadores, setores militares e pela CIA, para desestabilizar o governo de Jango, considerado esquerdista e perigoso aos olhos do Tio Sam.

Aliás, todos os governos democráticos da América Latina eram considerados perigosos, na época, e todos foram derrubados e substituídos por ditaduras, com apoio do EUA. Dólares foram despejados fartamente em jornais brasileiros, que não se acanharam em participar de uma trama orquestrada do exterior, para desestabilizar o governo democraticamente eleito de nosso país. Isso é História. A parte vergonhosa da História que cabe às organizações de Roberto Marinho.

Neste domingo, “O Globo” pareceu voltar às suas origens, estampando em primeira página manchete que acusa o falecido Leonel Brizola de receber propina das empresas de ônibus do Rio de Janeiro. Empresas encampadas por ele e que, mais tarde, se uniram para financiar o candidato que o derrotou nas urnas (Angorá Moreira Franco).
Vivo fosse para se defender, certamente o velho Briza acionaria novamente a Justiça contra “o jornal do Dr. Roberto”. E, creio eu, venceria. Como venceu inúmeras vezes, conseguindo publicar suas respostas, respaldadas por lei, nas páginas do jornal que o difamava.

É de uma leviandade absurda que se dê espaço na primeira página de um dos jornais mais importantes do país para relatórios produzidos por gente que assassinou, torturou e se especializou em contra-propaganda clandestina, financiada com dinheiro estrangeiro. Gente cujo objetivo principal era desestabilizar o governo constitucional e implantar no Brasil uma ditadura militar, fiel aos ditames de Washington.

A matéria não menciona quase nenhum nome. Apenas reproduz o que os relatórios anônimos do SNI vociferavam contra Brizola, o governador gaúcho que organizou a resistência ao golpe de 1964 mesmo depois de o presidente João Goulart ter abandonado o paí¬s. Os militares golpistas jamais o perdoaram por isso, perseguindo-o até quando ele, retornado do exílio, conseguiu recuperar, no voto, o espaço que a ditadura lhe havia roubado. Houve no Brasil algum político que tenha conseguido se eleger governador por dois estados (Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro)?

Os arquivos do SNI são públicos? Como “O Globo” teve acesso a eles? Outros pesquisadores poderiam ler os textos reproduzidos pelo jornal? Quem assina os relatórios do SNI? Qualquer fonte anônima pode ter suas palavras estampadas na primeira página do jornal mais importante do Rio de Janeiro?

O próprio texto da matéria reconhece que nada foi provado, mas manifesta implícita simpatia com os autores das calúnias, ao afirmar que a ditadura acionou seu “sofisticado esquema de espionagem” para investigar o governador do Rio. Ora, quem viveu e conheceu as investigações perpetradas naquele tempo sabe que a ditadura foi tudo, menos sofisticada. As “informações” eram obtidas por caguetagem, intimidação e porrada, muita porrada, distribuída covardemente, nos porões dos quartéis.

O texto da reportagem ainda diz: “Os relatórios não apresentam provas e não indicam ter originado investigações formais, mas são categóricos nas acusações”. Um torturador “categórico” parece ser fonte confiável, aos olhos dos atuais editores de “O Globo” e do repórter que assina a matéria, Bernardo Mello Franco.

Nunca votei em Brizola. Não confiava em seu discurso de caudilho. Mas, ainda assim, não pude deixar de notar que ele sempre esteve muito acima de todos os milicos e torturadores que conspiraram pela sua derrota, fosse antes ou depois do golpe. “O Globo”, aparentemente, ainda não perdoou o velho gaúcho. Ainda o teme e difama, tantos anos após a sua morte.

A manchete correta, na minha modesta opinião, talvez fosse “Sarney rasgava relatórios do SNI”, uma informação dada ao jornal, com exclusividade, pelo proprio ex-presidente, e que demonstra a credibilidade que tais arapongas tinham entre os políticos da época.

Por mais que tenha se excedido e transigido com diversos aliados de conduta para lá de duvidosa, Brizola foi um polí¬tico impar. Ele, certamente, poderia sentar seus netos no colo e contar a sua vida, sem medo ou vergonha. Será que poderiam fazer o mesmo os rapazes anônimos do SNI, do Cenimar, dos CODI e outras siglas obscuras, para quem “O Globo” cedeu espaço tão nobre e generoso?
E olha que eu nem falei do escandalo da Proconsult

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